Foi uma vez certo moleiro nadar no rio Ovil, num poço entre as penedias, ali para baixo do lugar do Giraldo.
Quando quis sair da água, alguma coisa o puxou por entre os penedos, e onde havia ele de ir dar?... Ao palácio uma moira encantada!
O palácio era coisa de maravilha: oiro, prata, brilhantes, riquezas sem conta, mas não viu a moira. Esteve lá de um dia até ao outro sem ter sono, nem fome, nem sede: queria ir para casa e não podia, até que se lembrou de rezar o Padre-nosso às avessas, o que é bom para quebrar o encanto, e pôde então sair.
Quando veio para fora do rio, os vizinhos e amigos procuravam-no e, vendo-o vivo, não queriam acreditar. Disse-lhes ele o que lhe tinha acontecido e os outros foram às escondidas, de noite, com o luar, fazer uma cale para esvasiar o poço, mas não encontraram a entrada do palácio. Vieram dizer ao moleiro que mentia, que não havia entre os penedos palácio nenhum.
— Pois volto lá, disse o moleiro, e hei-de trazer uma prova.
Foi, pegou numa barra de oiro, voltou a dizer o Padre-nosso às avessas e saiu.
Todos os que viram o oiro acreditaram e disseram:
— é rico!, e uma donzela das redondezas logo quis casar com ele, mas, depois, dava-lhe mau viver, porque andava sempre a queixar-se de que não via riqueza nenhuma.
O moleiro, farto de a ouvir disse-lhe um dia:
— Queres o oiro?... Anda comigo buscá-lo ao palácio da moira. Chegados lá, disse:
— Deita-te à água.
— Tu é que te deves deitar..
— Então agorantes estavas tão afoita e agora já te não atreves?... Pois só lá vou se tu fores também.
Como ela se não afoitou, foram para casa, ela nunca mais lhe falou no oiro e dai em diante viveram bem.
Tiveram dois filhos Quando o mais velho chegou a homem, começou a andar triste e pensativo, ate que pai lhe perguntou o que o afligia?
— É que a minha sina dá-me ser afortunado e eu quero ir em cata da fortuna.
— Ó filho — respondia o pai — tens pão para comer, roupa para vestir e em eu morrendo fica-vos o moinho que vos há-de dar para viver como me tem dado
a mim…
Mas o moço continuava naquela cisma:
— Quero ir à procura da fortuna que a sina me dá.
Compre-me vossemecê um cavalo para eu correr mundo.
O pobre do pai foi então buscar o oiro que em tempos trouxera de casa da moira, com ele comprou um cavalo e dois cães que eram dois leões, e o filho lá foi…
Havia por esse tempo, lá para longes terras, uma mata fechada onde andava uma bicha de sete cabeças que comia gente a eito, como as galinhas comem milho, e para que ela não viesse aos povoados fazer mortandade, todos os dias se deitavam sortes por números para ver quem tinha de ir à mata ser comido pela serpe, e um dia calhou essa sorte infeliz à filha do nosso rei!
Ia o filho do moleiro a passar perto da mata quando viu uma menina vestidinha de preto a chorar.
Ele não sabia quem era nem quem não era, mas ela ali lhe contou que era a filha do rei e ia ser comida pela bicha. Disse-lhe o moleiro que subisse para o cavalo, que iria com ela ao encontro da serpe, mas ela não queria: achava que só a si caira a má sorte. Então o moleiro tomou-a pela cinta, pô-la em cima do cavalo e enfiou na mata. A bicha apareceu; ele, ajudado pelos leões, cortou-lhe com a espada as sete cabeças; cortou também um bocado do vestido à menina sem que ela visse e embrulhou nele as sete línguas que tirou às cabeças da bicha.
Foram se embora, e, quando chegaram ao lugar em que cada um devia seguir o seu caminho, a princesa queria ir com o filho do moleiro, pois ele lhe tinha
salvado a vida. Mas ele disse que não, que fosse para casa do pai, que mais tarde lhe daria notícias.
Quando o rei viu a filha nem queria acreditar nos seus olhos Mandou fazer grandes festas e lançar um pregão para saber onde se encontrava o salvador da
princesa, pois lha queria dar em casamento.
Um falsário foi a mata, levou as cabeças da bicha e apresentou se ao rei dizendo que foi ele que a matou. A princesa bem dizia que não era aquele, mas o
rei, como via as cabeças, não lhe dava ouvidos e mandou preparar a boda com grandes festejos.
O filho do moleiro soube-o, e foi então que se vestiu de pobre e foi ter à porta do palácio, dizendo que queria falar ao rei, mas os criados não o deixaram entrar, pois o rei nesse dia não falava a pobres de pedir. Ele deixou-se ficar à porta, e, quando saiu o ajunto, a princesa viu-o e logo ali declarou que era ele o matador da serpente e que era com ele que queria casar.
O rei não acreditou e disse que a princesa casaria com aquele valente que tinha trazido as sete cabeças que ali estavam.
O filho do moleiro respondeu:
— Real senhor: as cabeças não têm línguas — e mostrou então as sete línguas embrulhadas no bocado de pano que dava certo com o que faltava no vestido preto da princesa.
Tudo ficou suspenso! o falsário fugiu, e então o rei ali declarou que o que tinha as línguas e o bocado do vestido era o matador da bicha, e a princesa era a sua esposada.
… E foi assim que o filho do moleiro do rio Ovil casou com a filha do rei. O encanto que o oiro tinha deu-lhe a fortuna, mas ela não é para todos: o irmão, coitado! lá continuou sempre a carregar com os foles da farinha pelos carreiros da beira do rio...
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